Tuesday, August 15, 2006

Estilhaços


Onde cada estrada espelha um caminho, e cada reflexo me toca no ventre, talvez aí seja o local onde os estilhaços de mim abundem.
Explodi-me num fim de tarde banal. Aquele final de tarde, onde a decadência tomou conta daquilo que sou hoje, vagueando agora por horas que não são as minhas. Perdi os tactos, os olhares, as sinas e as virtudes de um futuro brilhante em frases e sons cravados na minha alma como uma qualquer espada mais cortante que o mais cortante dos artefactos. Sublime a tristeza que me habita na falta do toque da esperança do alcance, que ainda por momentos vou sentindo em sonhos e miragens de uma vida que não será a minha.
O embulo caiu ao Rio. Não mais o barqueiro me levará e vou ser aquela alma penada durante a vida toda, chamando à vida o meu Purgatório. O Purgatório de todos os actos e gestos magnânimos que tive na presença de um Ser, esse mesmo, que hoje me habita os sonhos e me faz sofrer na infima realidade de um sonho que não desejo, criando suores frios na testa e dores vincadas na barriga.
O Rio vem cheio de lágrimas que derramei num acto cobarde de quem a dor não aguenta, naqueles pedaços de ira, que os estilhaços do meu rebentamento interior deixaram espalhados pelo chão. Perdi o meu Norte e o meu Sul e nenhum ponto cardeal me norteia agora. Como que perdido num labirinto sem fim, sou talvez aquele que deseja perder-se e perdendo-se, ser capaz de se encontrar.
Os fumos que jorram das fábricas congelaram ao ver a ânsia de um ser condensado no derramar de uma lágrima, que se me escorreu ao passar, no crepitar suave de uma dor que não cansa de dizer presente, enquanto as batidas do meu coração me gostavam de levar para longe. Cada pedaço meu que perdi quando outrora Fui, é um hoje o Oásis do alcance infinito das pequenas coisas que tenho. E até os pedaços que me definem vou perdendo todos os dias mais um pouco, gelando mais um pouco, chorando mais um pouco, quando as ínfimas coisas do que fui, se vão diluindo nos toques que jamais voltarei a ter de alguém.
Vou começar a comprar os cães e os gatos da minha companhia. Aqueles que serão os mais secretos guardiões do meu templo e me habitarão nos secretos silêncios da minha casa. Não vejo quem me possa habitar, quem me possa completar, na complexa vivência dos meus dias, agora que tudo o que o Céu suportava desabou na simples banalidade da frase ou do sentimento mal explicado.
Sinto-me a complexificar tudo, a tornar tudo mais dificil aos meus olhos, quando os conselhos sábios de quem assim se acha, me aponta o caminho do não pensar nisto. Estou mais complexo que uma bomba atómica, com mais ligações cortadas que uma qualquer lâmpada fundida, e mais ausente de mim mesmo que sei lá. Dilacerando e dissolvendo aquilo que gostava de sentir, vou perdendo nos dedos o sentimento de pertença a um Mundo que me vira as costas no Poente e afundando-me no triste abismo da Dor.
Prefiro pensar que o Sol me toca em vez de me queimar. Prefiro pensar a Lua é luminosa em vez de apenas receber luz. Prefiro pensar que alguém me gostará pela grandeza do que posso ser ao invés de aceitar a evidência vazia de um futuro sozinho, que me vai abrindo as veias a cada segundo toque de um relógio de cuco a um qualquer meio dia.
Hoje, vou enganar tudo e sentir-me completo nos meus estilhaços perdidos...
Como se os tivesse alguma vez encontrado!
Apenas eu, completamente a desistir, Hugo!

2 Comments:

Blogger Bruno Moutinho said...

Este está um pouco diferente do habitual. Demonstras o que sentes num fluir natural, belo e puro de palavras que se encaixam umas nas outras desvendando, assim, a imagem de ti. Mas, à medida que vais avançando no texto, reparo que também fazes algumas observações ao que te disseram. Depois queria falar contigo sobre isso porque há, inclusive, uma parte que não percebi bem.
Olha, por vezes fantasiar um pouco, sonhar, pode ajudar a resolver as coisas. Sim, o mundo não é para sonhadores, o mundo é cruel, mas nós podemos ser mais fortes que ele e não nos deixar-mos aprisionar, matar, morrer...

12:57 AM  
Blogger GNL said...

Um sorriso vale, às vezes, mais do que muitas palavras..Fui Sorrindo então.. a complexidade é lixada. Mas é tão triste não conseguir juntar mil e duas estradas,e carrilhos, e pistas e fios, e cabos, e trilhos, e ribeiras, e rios, e lagos, e oceanos...e pessoas...

12:29 PM  

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