Ofusquei-Me
Ofusquei-me quando abri os olhos. Dei por mim a abafar-me, no início de um novo dia, com a dor estampada no toque, a tristeza espelhada no olhar e ausência ferida no rosto. A ausência de mim e do que sou, por entre os gritos e barulhos mesquinhos de uma urbe que acorda e me fere os ouvidos.
Sinto-me ausente. Ausente, como uma qualquer coisa que foi embora dela mesmo. A ausência que não é capaz de se procurar para se anular, mas antes se alimenta, me devora, me vai condenando a cada tique-taque de um relógio de parede. São as vozes da noite que ouço, os sonhos do que não quero, as lágrimas que me invadem na simplicidade dos dias sem sentido e escorro-me, como uma água que não tem fonte, ou simples errante num caminho errado num tempo claramente errado.
Saio de mim para me encontrar mas não me regresso, e todos os toques e risos que tive hoje são léxicos que uso, sem saber a que sabem, o que são, o que querem dizer afinal. Perco-me na minha mente, tão atolada de sentimentos mil, sem fim nem prumo, sem rumo nem rota, como uma garrafa à deriva num mar de solidão e tristeza, em que infelizmente me vejo ir ao fundo a cada segundo, a cada toque, a cada momento em que me dou apenas e só a mim.
Ouço-me rir, e choro-me rindo. Tenho pena de ser assim. Vivenciar e sentir o que não quero, ver o que não quer, ter a vida da "barriga apertada" e do "semblante carrgeado", que vou ostentando a cada segundinho banal da vidinha costumeira. Gostava de me ver, mas ofusquei-me. Ofusquei-me naquele segundo em que deixei de Me ser, em que deixei de ver, que aquilo que sou, é apenas um amontoar de feridas e pisaduras que o tempo não apaga, um amontoar de receios que o tempo não muda, um amontoar de lágrimas que ninguém seca.
São os ventos das tardes, que me gelam as lágrimas, que me fazem sentir mais ferido que um soldado de guerra. São os ventos, a quem chamo, para que me levem daqui, me afastem de tudo o que sou, para que talvez assim, dessa forma, possa vir a Ser. Não sei que mal é este que me habita as mentes e me corre nas veias. Não percebo, que antídoto se possa tomar para que a tristeza parta a chave na porta e não entre mais. Não consigo, deixar de deixar escorrer as palavras que agora eternizo, pois elas habitam-me, corroem-me, como um vírus vivenciando a vitória sobre o seu hospedeiro.
Toda a História não releva os fracos, mas os fracos relevam sempre as suas feridas e fraquezas. E, hoje, o fraco, aqui diante de um monitor sem rosto, abre-se como um livro em branco, às palavras que lhe batem como martelos, em cima das feridas de vida sonhada, que jamais será alcançada. A vida dos risos, a vida dos sentimentos plenos, a vida dos inalar dos cheiros da manhã, a vida das coisas boas. A vida que não existe.
A diferença estará, sempre, no relevar das coisas, no pensar das coisas, no interagir com o não ter. Mas baixei as guardas. Baixei as defesas e perdi-as. Vejo-me habitado num casulo nefasto de dor e desilusão, que me arde a cada olhar, que me espeta lanças nas mãos para que não seja capaz de tocar, que me enevenena a cada copo de água que bebo. Estou fraco, bem sei, perdido na lucidez lúcida da tristeza ausente, mas sobriamente louco.
Parti os espelhos para que não me encontrasse perdido nos meus olhares e ainda assim encontrei-me quando fechei os olhos. Encontro-me, naquele pedaço de luz que nos ilumina a mente, mas não nos guia. Antes nos relembra, nos aponta o dedo, nos toca naqueles pedaços de carne que nos dói.
Mas hoje, a carne foi-se e dói-me a alma.
Dói-me o Ser.
Dói-me o Viver.
Apenas eu, Hugo, ofuscado!
1 Comments:
A dor de viver... a dor de ser e sentir... A vida dá-nos muita dor mas é assim que nos faz crescer, não por fora, mas por dentro.
Nunca deixamos de sonhar com uma vida melhor, mas é assim que deve ser. Por outro lado, o que nos faz pensar que viver a vida de outra forma, uma outra, diferente e nova vida é melhor? Ha algo dentro de nós que é especial, mas dificilmente nos apercebemos disso. Choramos, invejamos e lançamo-nos na lama, porque, aos nossos olhos, não valemos nada. Isso não é verdade. Somos uma estrela única e temos que aprender a aceitar o que a vida nos dá, mesmo que seja doloroso à primeira vista.
Gostei do texto, como sempre, continua. Abraços.
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