Tuesday, September 12, 2006

Insónia


Tremem os dedos, calam-se os olhos, vive-se o tempo no sono que não se tem. Escorrem os pensamentos nefastos, as dores sentidas no olhar de horas e na dor de sempre. Hoje, não se dorme... nem se pode querer dormir.
Fecham-se as janelas da alma, no romper da madrugada, envolto em neblinas de cansaço e desilusão, essa mesma que me está tatuada na pele e no sentir de muito tempo. As tatuagens dos abismos que trago comigo rompem-se no silêncio de um carro que passa e desperta os sobressaltados sentidos que fazem parte do que sou.
As semânticas e as virtudes perderam-se nos olhares perdidos. Aqueles olhares que a Visão não vê, mas a Alma sente. Esses mesmos olhares que perduram na memória daquilo que se É, envolvido no turbante daquilo que queremos ser, enquanto fingimos ser Outro alguém que vamos sendo. A escuridão assenta-me bem, enquanto deixo as palavras que me molestam escorrerem que nem um pincel numa tela, a tela da minha vida.
Tremem os dedos. Os dedos que vincaram a madrugada e tocaram a pele desejada no sonho que se teve. Os dedos que apontaram a saída do abismo que se É. Os dedos que carregaram na pele a vontade do triunfo, a vontade da Vontade, a vontade do Ser. Hoje, é o Amanhã que Ontem sonhei e ainda assim me parece um Amanhã distante. Aquela distância que a visão não alcança, e o que os olhos não vêm o coração não sente, jamais. O olhar de soslaio daquilo que se vai tendo, parece ínfimo ao olhar para aquilo que se teria se as teclas do piano tivessem tocado outra canção.
Falei de ti ao vento uma vez. Contei-lhe os segredos da Alma, os cantos da pele, roguei-lhe versos, pragas e nomes para que habitassem o Sol das Manhãs de Verão, as manhãs onde tudo lembrava o que se tinha, e pintava a dourado o Toque que se dava. Os mesmos dedos, os que tremem, tocam hoje no Vento nada segredando, senão a vontade que a Alvorada venha e afaste a fivela do cinto para que as coisas sejam vividas.
É o fogo que arde nas estranhas do que somos. A insónia. O querer fazer com que o coração bata mais devagar. Parar o tempo, parar a Alma, parar-mo-nos e sermos ali, o escuro, a Paz, a Calma. Ser capaz de me levitar, de me reinventar, de me tocar, de me sentir uno sendo multiplo, de ter a noção do Ir, do Ter, do renascer, do Triunfar.
Amanhã, fá-lo-ei. Não hoje, porque a insónia me mata e me corrói os olhos, me crava setas no peito acelerando-o e me faz pensar a mil hora em coisas que não quero, matizando-me em quadros e olhares que me crucificam a cada pensar.
Rasgo-me a cada palavra que escrevo. Perco-me a cada olhar que lanço. Desespero com gritos mudos que ninguém, com olhares que ninguém vê, querendo que me vejam, que me toquem que me sintam gritar. Mas nada parece ocorrer no caminho que trilho, num mapa que não conheço, por rumos que sinceramente não vou conhecendo, e vou-me deixando ir. Para onde, ainda não sei...
Talvez os momentos de loucura súbita que se me acercam sejam os momentos mais lúcidos que tenho em dias, que passam como comboios de corda. São os momentos em que o toque se esvai, em que o vazio toma conta de nós, que o brotar dos ruídos que me acercam se tornam reais. São as feridas de um furacão que me devastou, que me visitam todas as noites e me faz sentir aquele cujo quadro nunca foi completado. E, no entanto, estamos a chegar ao Amanhã. Aquele pedaço de tempo em que tudo deveria Ser e não É.
Que faço eu aqui vomitando palavras? Que faço eu pensando naquilo que a maioria das pessoas não pensa? Que faço eu pensando que as coisas têm nexo? Deixar que as vivências aconteçam, numa mera índole carpe-diem, seria uma aceitação cobarde daquilo que vou sendo. Ou tentando ser...
É nos pedaços das insónias que passo, que a Alma não dorme e me acompanha neste vazio. Este vazio de ir tendo, não tendo. Este vazio de tremer nos dedos, com o coração acelerado. É a agonia do que nada Tem, perdido com o que nunca Teve, querendo o que nunca Terá.
Amanhã, sim. Amanhã, quero acreditar que será diferente a lógica, que será diferente o Toque, a Vivência, a Coerência, deste Escuro quadro que pinto, no escuro do meu quarto, enquanto a Insónia foi buscar um copo de água. O copo de água que me deixa na mesa de manhã, quando me deixa envolto no meu olhar vazio de quem perdeu a hora para começar de novo.
Hoje, tudo aquilo que vejo é o Negro da Noite, iluminado nos olhos. O mesmo negro que lança a noite sobre os telhados e põe cabelos brancos nas mentes de quem pensa no que pensa.
Tento beber-Me na ânsia e procurar a calma que não tenho. Mas até disso perdi o Norte... ao Sul.
Apenas eu, Hugo!