Wednesday, September 28, 2005

Silêncios


Calei a madrugada com um estalo.
Senti por entre as forças de um vento de Norte, a saudade a bater-me nas entranhas e senti a força de mil horizontes penetrarem-me os sentidos. Vi, no calor da noite, a sombra triste da loucura que me abunda, o murmurio latejante de um medo que não tem rosto, a tristeza profunda de um sentimento que não quero meu. Saio de mim como quem sai do comboio para mais um dia de rotina incessante. Saio de mim como quer mais do que viver-se. Saio de mim como um amanhã que se levanta, mergulhado no silêncio de mim.
O amanhã aparece nos buracos da janela como uma luz ao fundo do túnel, como a vanguarda que me anseia, como o limite para o que sinto, quero e vou ter um dia. Lá fora, os ruídos banais de gente banal, misturam-se com os ruídos fúteis de gente fútil. Eu, aqui e agora, sofro por entre lágrimas de cristal que me eternizam o rosto e me põe cada vez mais sentido no tempo.
Misturo-me, no silêncio de um Mundo, por acidente ou introversão, e mergulho num abismo de um qualquer mar, com nome por inventar. Ali, nas catacumbas de um sentimento que me fere, sinto-me mais ferido que um soldado na frente de batalha, mais desgastado que a cinza do tempo, mais retardado que um relógio sem pilha. Sou ali, por momentos, uma sombra de uma imagem que quis minha e fecho-me nas copas de um jasmim, mal nsacido.
Pergunto, ainda hoje, a razão que nos faz vir ao Mundo. A razão que nos faz ser, nos faz sentir, nos faz ter metas, pensar em alcançar algo. Na banalidade da trivialidade encontro o prumo, mas não a lógica. Que tipo de rumo é este que sabemos o desfecho, ainda no início? Que prumo é este que exige o sacríficio para a obtenção da Felicidade? Que prumo é este que nos tira do tacto, o que a alma almeja?
Conjecturas metafísicas que entre os silêncios de um Mundo, que jorra ruídos, mas que não se sente, não me vê, ou que definitiva e indubitavelmente me virou as costas, deixando aqui, cadáver adiado, vivendo a minha tormenta, por entre silhuetas de esfinges banais, ocas e condenadas ao fracasso ou á futilidade de sobreviver, sem sentido, rumo ou meta.
Não! Eu não deixarei que os dias do calendário sejas percorridos, mas antes vividos, sentidos, conquistados e acima de tudo, justificados. Nada me levará a deixar o que quero, o que almejo, aquilo que me faz o sangue correr nas veias, por entre os silêncios de gente banal.
Afinal de contas, há silêncio no ruído, se a mensagem é nula!
Apenas eu, Hugo!

Monday, September 26, 2005

Elogio da loucura


Quatro paredes podem dizer muito a quem pensa. Podem mostrar a quem sente que o sofrimento da vivência está delimitado a uma área circunscrita, que as dores de um passado mal vivido estão perpetuadas num tique-taque que já passou e definitivamente afundadas num mar distante daqui.
O Sol brilha para quem não o vê. Ofusca-se a si próprio, não querendo ser visto, ele que deveria orgulhar-se por ser visto por todos. O Céu venera-O como a um Imperador e ainda assim ele protege-se de quem o vê, fechando-se em copas. Será que algum dia verei o Sol?
Serei algum dia capaz de alcançar a idade de um sopro de vento e ser feliz por entre uma manhã coberta de um sol radiante? Vivo-me por entre os acidentes de percurso, fingindo nada ser comigo. Minto, mais uma vez. Nunca a triste sina dos meus dias foi tão vincada como nos dias que correm em que a efeméride se me afecta como os ares que respiro. Não consigo ficar imune ao pensar, ao conjecturar, ao opinar sobre o que faço e penso e quero da vida. Mas ainda assim fico pior comigo mesmo.
A ambição de vida deve ser bem medida para que não se torne na maior desilusão que o Mundo conheceu. Vejo-me a braços por ruas, ruinhas e ruelas de um Porto sentido, pensando se terei o discernimento e capacidade de atravessar o Ocaso de uma Vida que considero minhas, com a certeza cabal do Dever Cumprido. Por entre as sombras de mais uma nuvem que passa, vejo-me a envelhecer e perdendo a rigidez nas linhas do rosto e a ser mais uma vez levado para sítios que a razão humana tem ainda dificuldade em explicar.
Ao cair da Noite, vejo-me vadio encalhado num cais onde a Tormenta é Rainha. A Imperatriz da Solidão visita-me sempre que as minhas pálpebras são mais fortes que a Vontade. Sou, por momentos, renegado para o abismo de um sonho cruel, por entre as tempestades de areia da Mente, que me ferem os sentidos e molestam a minha aura. Vivo espelhado num Céu que ninguém vê, com pensamentos que ninguém tem, com ambições que nem Alexandre, o Grande, teve.
Vivo-me, sinto-me e quero-me e por entre uma loucura lúcida, sou impávido e sereno o mais teimoso e tenso de entre os vagabundos de um desejo. Desejo a lucidez eterna, a fabulosa sabedoria e a imortalidade sapiente. Sinto o escorrer da humidade por entre os dedos, sinto os cabelos brancos brotarem-me na cabeça, sinto a derradeira gota de sangue correndo-me nas veias, motivada por uma razão que desconheço.
Hoje, vivo-me, aqui e agora... Sem saber se amanhã, o Sol se deixará ver.
Apenas eu, Hugo!

Sunday, September 25, 2005

Rouba-me


Ouço, impávido e sereno, o tilintar cruel dos ponteiros do relógio. Ouço, numa bruma desmedida, as pessoas que se vivem e se sentem, por entre uma manhã de um mês qualquer, de um ano por inventar, de uma cidade qualquer. Escuto o ruidoso barulho do meu silêncio e perpetuo-me numa palpitação do meu musculo cardíaco. Sinto-Me... Vejo-Me... e sou por momentos Rei de um Mundo por inventar...
Habito os meus momentos de solidão como um vagabundo habita um lugar qualquer. Vagueio nas minhas cogitações até um Além longínquo, onde a Razão perde o nexo e a Causalidade não passa de uma relação utópica. Será que um dia tranformarei a Razão Utópica na Razão Vivida e Sentida?

Vivo-me por entre as Sombras de um castanheiro velho, que teima em fazer-me sombra. Ali onde ele habitava, fui feliz por nada saber, contente por tudo desejar, e sou ainda desejoso por obter aquilo que ainda não tenho. A longevidade do Castanheiro inveja-me. Consegue estar só, imponente, vivendo aquilo que a Natureza lhe dá sem arrependimento, dor ou comentário. Ao invés, eu habito-me no silêncio bradando aos Céus e procurando respostas para os mais complicados enigmas e tristezas. Vivo perpetado num clima de angústia que me fere os olhos, me cega a lucidez e me condena a ficar atrás de grades de dor. Não consigo ficar estático face ao que a Vida me dá. Esgana-me o silêncio, molesta-me a ausência, aumenta-me os cabelos brancos e põe-me rugas na silhueta.

O velho Castanheiro vive-se a ele próprio. Habita-se a ele próprio. É feliz porque existe simplesmente, sem pensar, sem querer, sem preocupações. Invejo-o por isso. Não tem o estigma de viver pensando se conseguirá ser alguém, se conseguirá obter respostas para o Mistério daquilo que sente, daquilo por que passa e da Razão que o faz estar ali, parado, imune ao passar do tempo e das pessoas que o rodeiam.
Enclausuro-me no Meu Mundo querendo que dele me roubes. Me venhas habitar, roubar-me, tirar-me do adiamento sistemático da Felicidade e A precipites como um fútil estalar dos dedos. Sim, onde a Vida perder o Mistério ganha a Felicidade o seu significado. Gostaria de percorrer os trilhos de uma Razão. Alcançar na mácula, a vivência eterna e ser por momentos o Imperador da Existência, o Imperador da Tua Existência.
As amarras, que me amordaçam os sentidos, vão-se esbatendo e rompendo lentamente como um dia que segue o seu caminho rumo ao seu fim - a Noite. Luto contra elas como um General de guerra que quer levar de vencida a sua batalha. Talvez no dia em que for capaz de as derrotar seja o mais feliz dos lutadores, porque chegou, viu, não venceu, mas lutou para isso ter acontecido.
Beijei-me a mim próprio quando me vi no espelho. Não porque os pensamentos de Narciso me infestaram, antes porque sei que um dia será outra pessoa a beijar-me, por entre as manhãs, tardes e noites de meses e meses a fio. No Ocaso da Vida estarei aí feliz, completo e uno com essa pessoa, habitando a essência do Ser.
Por agora, tento-me viver...
Apenas eu, Hugo!

Saturday, September 24, 2005

Escorregue-te-me



Procura na noite a palavra sentida mas não dita. Vê, por entre um espelho de miragens, o vagabundo que te deseja por entre as tórridas mensagens de um Além cada vez mais distante. Procura no trivial a mensagem plena, e no acto feito passado, transforma-o no acto promessa presente, reafirmando aquilo que veneras.

Sentei-me hoje na esquina da Vida e parei. Ali, onde o Ocaso perde o sentido, estagnei num fragmento de ondas de um Mar qualquer, viajei na miragem de um sonho por acabar e afastei-me de mim por momentos, para ver se afinal sou eu quem sente. Ao meu lado, boiam recordações de um passado, pensamentos ditos e embalados para a lixeira, promessas e sentimentos que passaram ao lado e uma Vida que não pode ser escrita com v maiusculo. Perdoe-se a incoerência das palavras, pois se elas não traduzem o que sinto, então a capacidade é manifestamente insuficiente.

Mergulhei hoje na chuva de Outono. Abri a mão e deixei que a chuva tocasse a minha pele como dois mundos que se tocam, duas almas que se beijam sem se tocarem ou como que a materialização de uma qualquer utopia ou estado de alma mais fantástico. Escorregue-te-me. Entranha-te em mim. Deixa que os sentimentos fluam e venham a convergir num super-sentimento que habitaremos os dois.

Fechei a mão e, subitamente, o que outrora fora vida se me escorregue e desaparece lentamente como areia numa ampulheta. Será esta chuva, a derradeira?

Não. É algo sazonal. Amanhã, ou depois, quiçá daqui a dias, virá outra e depois outra e ainda outra. Ou seja, por mais anos e Outonos que venha a viver muitas serão as chuvas que me hão-de tocar a pele, penetrar os poros e ser por momentos UM com ela.

Emerges-me no pensamento como um filme projectado num grande ecrã: tudo à volta fica escuro para apenas a tua imagem centrar a minha atenção. Por momentos, imagino-me a atravessar todas as Montanhas do Mundo contigo do lado, ou a passar por entre Lagos e Oceanos de mão dada contigo, gritando, jorrando a alegria e triunfando numa gélida tarde de Inverno sobre aqueles que teimam em fazer perdurar o Inverno das nossas vidas. Aí sim, quando fizermos o Sol emergir numa tarde de Inverno teremos a certeza de termos chegado ao fim da linha de um Destino que penso ser inquebrável, e começaremos um novo rumo a uma Felicidade teimosa mas que nos espera, como se não tivesse outra alternativa.

É-me fácil imaginar chegando ao Oriente. Ver-me triunfar à Sombra de um Destino que me pisa e molesta, mas que tenho fé que o pisarei com toda a Força. Estarás lá no dia em que chegar? dar-me-às à falta de mais, aquele abraço que fará perdurar nas crónicas aquilo que nos une. A Grandiosidade daquilo que somos irá derrubar as mais veementes muralhas que se nos levantem, se juntos tivermos a capacidade de juntar aquilo que de bom temos.

Fecho a porta, apago a luz, e apago a luz da minha alma e do meu pensamento. Fecho-me no Castelo de Nuvens e ouço os silêncios: lá fora a chuva ainda cai. Por isso, escorregue-te-me.

Apenas eu, Hugo!