Cercas - As Minhas
Sinto-me fechado. Enclausurado nesta camisa de forças que me amarra nesta cama. A tal que serve para nos deleitarmos no mais fortes e carnais prazeres. A mesma cama onde o labirinto da minha mente se transforma num Inferno de mil chamas. Sinto-me fechado. Fechado com as chaves que não tenho, com uma porta escura que não vejo, e uma incapacidade manifesta em ter força para avançar.
Estou cercado por muros, cercas e paredes. Aquelas que não me permitem passar para o lado da felicidade e me condenam a este Quase-Ser, que continuo dia-após-dia, a tentar ser. Nem isso em condições consigo ser.
Estou para mim como uma folha que não foi escrita. Como um dia que nunca chegou nascer. Como uma soma de somar que só subtrai. Mas ainda a dor multiplica-se a cada respirar, como se as miragens fossem utopias, e os pensamentos punhais.
As cercas, as minhas, estão por todo o lado, mostrando-me as restrições que a Vida, a minha, me dá, para que sabendo-as não a viva e não a vivendo não lhe possa chamar Vida.
Acredito na conjugação perfeita de todos os verbos que existem na Língua Portuguesa. Mas ainda assim, existem vários cujo presente não consigo conjugar. Nem conjugar o verbo nem conjugar aquilo que sou com o que pretendo. Talvez o verbo Ser seja a minha maior cerca.
Na rua barulhos e silêncios coabitam. Cá dentro é só ruído e os meus verdes olhos são oceanos de lágrimas jorradas numa noite que se prevê longa. As tais noites longas e duradouras que se perpetuam, dando-nos a sensação de não paragem, de não descanso, do não adormecimento. Sinto-me nesse Mundo paralelo, esse que só Eu vejo e ainda assim não queria ver. Penso que jamais alguém me saberá Ler. Não o que digo, escrevo, mas antes a essência do meu comportamento, esse que é tão errático como a escrita de um bêbado.
Queria muito poder dizer que sou a minha estrela guia, mas infelizmente só me vejo como sendo o eterno desencaminhador da minha mente para planos e pensamentos que me corroem, me massacram, me esmagam, me ferem, me oprimem, me enclausuram, me deixam neste estúpido sofrimento, sofrendo estupidamente. E mesmo assim, o tique-taquear do Tempo é incessante, sem que os Verbos possam ser conjugados e as dores mitigadas no meio destas cercas.
Sinceramente, gostava de trocar o meu cérebro por uma garrafa de água. Essa que nada tem se não calma e utilidade. A minha utilidade na Vida não é mais do que respirar e pagar impostos, provavelmente o único legado que deixarei na Vida.
Um dia, quando já for cadáver, provavelmente apenas os corvos me irão visitar. Esses que se apoderam do Nocturno e fazem com que o Sombrio seja metaforizado na sua imagem. Serei o mais triste dos cadáveres, se é que existem cadáveres tristes. O último suspiro será certamente de alívio e não de Saudade de uma Vida Vivida. Porque essa vai-me dizendo adeus com um acenar cada vez mais claro, enquanto o Tempo me vai pondo cabelos brancos na cabeça e miopia nas córneas.
Tenho pena de ser sempre este triste reunir de ossos. Talvez se encontrasse a Mãe-Vida, ela deixasse de ser minha madrasta. No entretanto, entre a busca e o encontro, sou este Quase-Ser, maltratado e subjugado por uma madrasta que me quer longe dela, mas que teima em ter que me aturar.
Gostava eu também de não me estar aturando. Desligar o botão dos sentimentos para que pudesse ter sempre uma insustentável leveza no sentir. Mas não. Em vez disso tenho uma cadavérica pesada sensação de sentir aquilo que um Quase-Ser, agora de 25 anos, não devia sentir. Ainda assim, tenta-se conjugar o Verbo.
Hoje nenhum verbo sairá da minha boca, porque não Me consigo. Fere-me as mais profundas entranhas todo e qualquer som que sai da minha boca, como que punhais sempre apontados para mim à espera do menor dos deslizes para disferirem o golpe certeiro.
Tomara que fosse hoje o último dia que me habito...
...para que os Corvos me acompanhassem....
... e eu deixasse ou suplantasse estas cercas.
Entre o barulho e o silêncio, um Quase-Ser, apenas eu, Hugo.