Silêncios

Procura na noite a palavra sentida mas não dita. Vê, por entre um espelho de miragens, o vagabundo que te deseja por entre as tórridas mensagens de um Além cada vez mais distante. Procura no trivial a mensagem plena, e no acto feito passado, transforma-o no acto promessa presente, reafirmando aquilo que veneras.
Sentei-me hoje na esquina da Vida e parei. Ali, onde o Ocaso perde o sentido, estagnei num fragmento de ondas de um Mar qualquer, viajei na miragem de um sonho por acabar e afastei-me de mim por momentos, para ver se afinal sou eu quem sente. Ao meu lado, boiam recordações de um passado, pensamentos ditos e embalados para a lixeira, promessas e sentimentos que passaram ao lado e uma Vida que não pode ser escrita com v maiusculo. Perdoe-se a incoerência das palavras, pois se elas não traduzem o que sinto, então a capacidade é manifestamente insuficiente.
Mergulhei hoje na chuva de Outono. Abri a mão e deixei que a chuva tocasse a minha pele como dois mundos que se tocam, duas almas que se beijam sem se tocarem ou como que a materialização de uma qualquer utopia ou estado de alma mais fantástico. Escorregue-te-me. Entranha-te em mim. Deixa que os sentimentos fluam e venham a convergir num super-sentimento que habitaremos os dois.
Fechei a mão e, subitamente, o que outrora fora vida se me escorregue e desaparece lentamente como areia numa ampulheta. Será esta chuva, a derradeira?
Não. É algo sazonal. Amanhã, ou depois, quiçá daqui a dias, virá outra e depois outra e ainda outra. Ou seja, por mais anos e Outonos que venha a viver muitas serão as chuvas que me hão-de tocar a pele, penetrar os poros e ser por momentos UM com ela.
Emerges-me no pensamento como um filme projectado num grande ecrã: tudo à volta fica escuro para apenas a tua imagem centrar a minha atenção. Por momentos, imagino-me a atravessar todas as Montanhas do Mundo contigo do lado, ou a passar por entre Lagos e Oceanos de mão dada contigo, gritando, jorrando a alegria e triunfando numa gélida tarde de Inverno sobre aqueles que teimam em fazer perdurar o Inverno das nossas vidas. Aí sim, quando fizermos o Sol emergir numa tarde de Inverno teremos a certeza de termos chegado ao fim da linha de um Destino que penso ser inquebrável, e começaremos um novo rumo a uma Felicidade teimosa mas que nos espera, como se não tivesse outra alternativa.
É-me fácil imaginar chegando ao Oriente. Ver-me triunfar à Sombra de um Destino que me pisa e molesta, mas que tenho fé que o pisarei com toda a Força. Estarás lá no dia em que chegar? dar-me-às à falta de mais, aquele abraço que fará perdurar nas crónicas aquilo que nos une. A Grandiosidade daquilo que somos irá derrubar as mais veementes muralhas que se nos levantem, se juntos tivermos a capacidade de juntar aquilo que de bom temos.
Fecho a porta, apago a luz, e apago a luz da minha alma e do meu pensamento. Fecho-me no Castelo de Nuvens e ouço os silêncios: lá fora a chuva ainda cai. Por isso, escorregue-te-me.
Apenas eu, Hugo!